terça-feira, 25 de agosto de 2009



O SUSSURO


Eu queria que um dia o mundo parasse para tentar escutar os sussurros do meu coração. Nesse dia não haveria o canto dos pássaros. As minhocas desistiriam de perfurar o solo por esporte, cobrariam pelos túneis que fazem as raízes respirar. As árvores morreriam, não pagariam pelo ar. Os incetos secariam, não haveria sangue. Vida não haveria nos mangues. O blues seria ainda mais triste. O álcool não aliviaria a dor. A mulher não valeria pra nada: parir, amparar, amar. O cachorro seria nosso maior inimigo, espalharia nossos segredos aos quatro cantos, quando começasse a falar. O mar estaria de ressaca, ainda bêbado, irritado com a lua que o fez chorar. No céu nuvens pesadas e sombrias avisariam a chegada da chuva esperada, que não seria o alivio sonhado, tornar-se-ia em dilúvio, rasgando a terra seca fazendo o sangue barroso ancorar na poça próxima. As cigarras não cantariam para chamar a atenção de suas parceiras, cruzariam com qualquer uma. As formigas não mais trabalhariam, viveriam vagabundas e bêbadas como o mar, pois saberiam que nada mais adiantaria. As joaninhas já sumiram: são videntes. As borboletas seriam lagartas para sempre. O jabuti despiria sua armadura, seria presa fácil. A cobra conquistaria seu velho desejo de voar. O sol desistiria de lutar contra as nuvens. Nas cidades, sobre o pó dos restos das construções os homens sumiriam, implodiriam ao botar para fora sua dor. No campo, os animais agonizariam a falta de alimento para seu sustento. O leite azedaria. As plantações não dariam um só grão, um só fruto, um só ar de vida. O verde se apagaria. A única cor seria a falta total de cor: preto. As pessoas não viveriam juntas novamente. O fim da sociedade. O fim do cortejo. O fim do romance. O fim. Se os sussurros se tornassem gritos: Avalanches destruiriam civilizações inteiras. O mar invadiria a terra, lavando os podres do chão. Os vulcões inativos acordariam irritados com tamanha algazarra e cuspiriam fogo nos mais próximos e gases tóxicos nos mais distantes. O petróleo se espalharia pelos rios, tornando-os veias mortais. A água de beber teria cheiro de enxofre e gosto podre. Os ferimentos se abririam, inflamariam, matariam. Alguns morreriam de susto com o grito agudo, outros morreriam por morrer, simplesmente não haveria mais nada no dia seguinte. Viver pra quê? O mundo pararia para o sussurro e se dissolveria perante o grito. Esse dia há de chegar, tanto o do sussurro, quanto o do grito. Ou torçam para meu coração parar! Nesse dia o mundo se salvará, assim que meu coração se acalmar. Alegrem-se! Vivam! O mundo está salvo. Morri. E junto foi-se o grito e o sussurro.

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